gastronomia

Você já pensou sobre a água da sua cerveja?


Se você acompanhou minhas colunas anteriores, provavelmente percebeu que conversamos por aqui sobre os principais ingredientes que fazem parte do processo de fabricação da cerveja. Falei sobre malte, lúpulo e levedura, faltava escrever sobre a água da cerveja e seus mitos, e é isso que pretendo trazer por aqui hoje. 

A maioria dos estilos de cerveja trazem mais de 90% de água na sua composição. Os sais e demais elementos químicos presentes na água interferem de maneira significativa no resultado final. Por isso, os cervejeiros estão sempre muito atentos à água em suas receitas, inclusive manipulando-a quando necessário. Nós cervejeiros sabemos que a água interage com os outros ingredientes, e é responsável por características relevantes a cada gole do produto final. 

Na cervejaria Guinness, na Irlanda, é possível realizar um tour que mostra todos os processos de fabricação da cerveja

Para começarmos, vamos falar de um mito. Circula por aí a falsa informação de que são consumidos 15 litros de água para produzir um litro de cerveja, pois além da água do processo, que compõe o produto final, a cervejaria consome água para a limpeza dos equipamentos e o rápido resfriamento do mosto, quando ocorre uma troca de calor. Porém, os equipamentos e mesmo o processo de resfriamento utilizado hoje em dia é bem diferente do passado, fazendo com que sejam necessários entre três e quatro litros de água para a produção de um litro, isso sem contar que, muitas vezes, a água utilizada no resfriamento é armazenada para ser reutilizada nesse processo, diminuindo o gasto e pensando mais no meio ambiente. 

Seguindo em frente com o nosso assunto, é preciso ressaltar que nem toda água é igual, e não estamos falando apenas de poluição, mas dos elementos que compõem o subsolo de cada local. As características da água de determinadas regiões ajudaram a determinar os estilos das cervejas locais, e é possível "viajar" pelas águas utilizadas nas cervejas, como por exemplo: a cidade de Pilsen na República Tcheca conta com uma água branda, com baixos teores de sais, que por isso favorece as cervejas leves. Em Viena, na Áustria, a água tem baixos teores de cloretos e sódio, auxiliando na produção de cervejas âmbar. Já em Dublin, na Irlanda, existe um alto teor de carbonatos na água, o que é ideal para cervejas escuras, como a Stout. Na Alemanha, as variações da água contribuem para diferenciar as cervejas entre as cidades, onde em Munique, a presença de carbonatos na água acentua o sabor maltado, enquanto em Dortmund, a alta alcalinidade da água é fundamental para o estilo Export. 

Voltando a cerveja Stout, aproveito para contar uma pequena história sobre a Cervejaria Guinness, que está há mais de 200 anos fazendo cerveja em Dublin e que ilustra bem a questão da necessidade de manipulação da água. Inicialmente, a água utilizada na cervejaria e na cidade, vinha de uma determinada fonte, com muitos sais (sulfatos e carbonatos), e com o desenvolvimento da cidade, que é a capital do país, foram feitos esforços para melhorar a qualidade da água que abastece a população. Para a cervejaria, no entanto, a mudança foi um grande problema, pois a água ficou mais pura, com menor quantidade de cálcio, mudando a cerveja. Os cervejeiros tiveram então que passar a adicionar esses elementos à água, para terem a mesma água de antes e, com isso, a mesma cerveja. 


Uma água muito branda e com baixo teor de sais, como é o caso do subsolo de Itaara, onde produzo minhas cervejas, é ideal para a fabricação de cervejas leves e refrescantes. Mas a "sorte" do cervejeiro artesanal é que a partir da adição de sais, se pode reproduzir os elementos relevantes da água de qualquer lugar do mundo e, assim, chegar ao estilo de qualquer cerveja, podendo 'viajar' a cada cerveja experimentada. No meu caso, preciso confessar que gosto muito dessa "alquimia" e costumo viajar bastante no processo de fabricação das cervejas. 

Saúde! 

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